sábado, 10 de abril de 2010

São Paulo, 9 de abril de 2010.



Meu querido diário,


Foi difícil levantar da cama hoje, sofri à beça.
No intervalo consciente entre o dormir e acordar matinal, o quentinho da cama e as vozes das crianças que já povoavam meus ouvidos, eu consegui tirar o cobertor.
Estava cansada, a semana foi exaustiva...
Frio.
Mas o que eu tinha pela frente era como um encontro com a força mais forte que há de mim em mim: meu trabalho. E nesse caso a expressão “ganha pão” não basta. Talvez “alimento da alma” lhe sirva melhor.
Caminhei a caminhada de todos os dias. Pensei pensamentos estranhos e infinitos.
Cheguei ao destino previsto na hora exata.
Encontrei-me com as crianças conhecidas para desbravarmos juntos um dia que nunca existiu.
Durante a nossa roda de conversa inicial, ao ouvi-los, lembrei-me da belíssima aula que tive sobre autonomia e lembrei-me, em seguida, o quanto amo trabalhar com educação, principalmente por ter assim a possibilidade de me reeducar a cada dia.
Retomei a concentração e voltei a ouvi-los. Estava tudo sendo dito e tudo o que eu precisava fazer era saber ouvir.
Fiz.
Tudo bem que o cobertor tivesse ficado pra trás. Não me faltou calor um minuto sequer.
Calor de vida, porque eu trabalho justamente na ponte por onde as crianças passam quando vão de suas famílias para o mundo.
Eu, de lá de cima  da ponte, olho de um lado e vejo o mundo que temos. Olho para o outro e vejo o mundo que eu quero.
Do lado do mundo que eu quero eu compartilho da vida com pessoas que podem fazer a diferença no mundo que temos. É pra lá que eu vou... Atrás do muro azul.
E a cada coisa que pretendo ensinar-lhes é necessário que eu aprenda ser.
Entende querido diário, que eu não posso parar?
É necessário que eu aprenda ser!
Elas aprendem o que eu ensino, mas compartilham do que eu sou.
Durante a travessia da ponte, passam um ano de suas vidas comigo.
Enquanto estou lá com elas, os vejo construírem seus próprios olhares, estabelecerem relações de confiança, experimentar-se enquanto pessoas, que ainda são pequenas, mas um dia crescerão.
Elas aprendem a subir na árvore debaixo dos meus olhos, aprendem a colocar os sapatos ao meu lado e depois de tanto eu perguntar se estão satisfeitas após o lanche, um dia as vejo levantar dizendo por elas mesmas que o estão.
Eu lhes ensino a levantar depois de cada tombo, lhes ensino a conversar para resolver os problemas e a confiar, lhes ensino sobre o respeito, mas não quando falo sobre ele e sim a cada instante que o pratico.
Depois elas descobrem que, do outro lado do muro azul, logo após cruzar a ponte há ainda um mundo inteiro a ser reinventado.
E é pra lá que elas vão. Para fora do muro azul...
Só que elas vão tendo passado pela ponte e, portanto por mim. Deixam-me, invariavelmente, melhor do que era antes de conhecê-las e pretendo, com a força da minha alma, que levem consigo a lembrança de terem estado com alguém que foi, com elas e para elas, o melhor que podia ser.
É assim, querido diário que eu começo todos os meus dias. Com a possibilidade de aprender tudo o que eu ainda não sei e vir a ser alguém melhor do que aquela que vi dormir na noite anterior.
Sobra-me pouco a mais para querer da vida!



3 comentários:

DE PEITO ABERTO disse...

Thais, olá meu nome é Camila sou do blog de peito aberto e fiquei muito feliz com o seu comentário...
Me faz muito bem ouvir que posso realmente estar fazendo a diferença neste mundo pois este é meu único intuito.
Obrigada por fazer parte do meu blog pois já te recebi de peito aberto!!!

Mari disse...

Menina, fico feliz em ver que o seu trabalho enriquece a sua alma. Acho que essa é a uma put.. conquista para um ser humano, trabalhar enriquecendo a sua alma, e nao vendendo. Acho muito lindo o seu trabalho, a sua preocupação, a sua vontade de sempre querer aprender e ensinar os pequeninos. troca, compartilhamento de conhecimentos real! parabéns! um beijo grande Mari

Unknown disse...

Thá, adorei este texto! Tenho pensado muito sobre o significado de se estabelecer pontes no ofício do professor e este texto só veio para inaltecer meus pensamentos! E seguimos por aí, fazendo e construindo pontes!Para cada vez enriquecer e enriquecer-nos na alma! Bj queridos, Lau