segunda-feira, 29 de março de 2010

Declaração

Tanto mais me ponho a ensinar, mais e mais descubro que só tenho a aprender.


Tanto mais me dedico a amar, mais aparece em mim uma vontade nua de amada ser.


Tanto mais caminho na direção, tanto mais me perco.


Tanto mais perdida, mais me encontro.


Tanto mais escrevo, mais quero escrever.


Tanto mais me leio, menos quero te esquecer.

domingo, 28 de março de 2010

Simples

Esses dias, li algo sobre a simplicidade de se poder ver uma árvore torta e saber que aquela é a maneira mais verdadeiramente simples de vê-la.
Tentar mudar o ângulo, além de complicar não a faria ser uma árvore reta.
Endireitá-la seria matá-la.
Eu li e em seguida caí.
Fui lançada em direção a uma viagem em que a linha de chegada se desenhava no exato ponto de partida.
Percurso longo, de exaustas tentativas, para fazer caber na justeza da solidão, a imensidão do ser.
Mover-se em direção a liberdade de aprender e das equivocadas ilusões se desfazer.


Crescer?
Re – aprender.


Da antiga aprendizagem a liberdade para escolher e das tardias consciências a permissão de fazer.
De você para você se recolher e sem misturas ver o outro a sua frente renascer.
Na nova clareira da escuridão se refazer e assim, voltar a aprender.
E seguir a viver...

sábado, 27 de março de 2010

Ela

Ela tinha o estranho hábito de se encantar pelas profundezas, e este era o motivo óbvio pelo qual nunca se deixara seduzir pelas grandiosidades da vida.
Ela só poderia ser mulher.
E só poderia preferir as formas arredondadas.
Seus olhos?
Preferiam sempre o “bom e velho olho-no-olho”. Nem um pouquinho pra cima, nem minimamente para baixo.
Ao justo alcance simplesmente.
Era capaz de mover o corpo inteiro para não perder o foco (para as crianças joelhos ao chão, aos jovens, aos loucos e aos inimigos a ajustada altura e aos velhos sua sincera reverência), o que não lhe diminuía em nada os espantos que tinha a cada novidade da vida.
Ela não era tão nova quanto parecia e nem envelhecida, o suficiente, para deixar de acreditar no amor.
Em movimentos precisos e vagarosos ela se colocava adiante pé-ante-pé.
Poder-se-ia até dizer que ela caminhava, não fosse sua inabilidade em manter a linha reta.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Segredo



Ele era dela, mas a constatação do fato não era, definitivamente, o suficiente para que fosse reconhecido.
Ela tinha o segredo agora, mas não o tivera desde sempre. Foi só após a citada revelação que ele pôde enfim, mostrar-se em segredo.
Ele estava nela, mas tão secreto em si mesmo que era, precisou de outro alguém para desvendá-lo.
Ela entregou a caixinha fechada e a teve de volta entreaberta.
Segredo que era protegia-se da luz escancarada.
Por entre os pequenos raios de baixa luminosidade com que alguém clareara a caixinha agora, ela conseguira, por fim, deleitar-se na escuridão do segredo que iluminava...

terça-feira, 23 de março de 2010

Rotina

Não sei bem onde foi que o meu dia começou.

Estaria seu início no começo da noite de ontem?
Encontrar-se-ia seu principio no sonho acontecido no meio da noite dormida?
Quem sabe já estava acontecido na novidade desconhecida que o novo dia estampava?
O fato é que tudo de mais verdadeiro que posso, neste momento afirmar, é que levantei bem. Assim, sabe? Simplesmente bem.

Somente uma coisa a cada vez e um lugar a cada estadia.

Rotina orientadora, que situa e que acalma. Dia simples de experiências sensacionais.
Tempo com tempo, olho no olho, risos dos risos, amparo das lágrimas.
Almoço mediano e um chocolate especial de sobremesa.

Leituras. Rasas e profundas, chatas e divertidas, literais ou subjetivas.
A linha do horizonte vista com a alma e para a alma, já que o corpo encontra-se agora em estado de atenção.
Boas conversas, simplesmente estar sentada ao lado da minha Amiga (ainda que em silêncio e por pouco tempo), clareza de argumentos.

Retorno em boa companhia. Eu gosto de gente!
Dia de rotina feliz!

domingo, 21 de março de 2010

Não é sempre

Não é sempre, mas às vezes:

Eu olho um sorriso e vejo um dente triste.
Eu escuto palavras, mas ouço o silêncio.
Observos meros ou únicos encontros.
Acho que luz em excesso me maltrata a visão,

Não é sempre, mas de vez em quando:

Eu olho pra saudade e vejo o amor,
Eu escuto palavras, mas ouço a voz
Eu procuro em mim a pista de um cheiro
E continuo lado a lado com a solidão

Não é sempre, mas vez ou outra:

Eu rezo.
Aproximo o suficiente para produzir o calor.
Desconstruo paredes.
Ofereço e acolho.

Não é sempre, mas foi uma única vez,
Eu vi meu amor perdido na multidão!

segunda-feira, 15 de março de 2010

Sinceramente?

Tem horas que eu simplesmente vou.
Depois eu canso e aí eu paro.

Parei!

E dessa vez, por incrível que pareça foi em frente a TV. Raramente faço isso.
Tem me faltado a paciência necessária.
Mas parei e assisti.
Era uma cena da Lilia Cabral (não me lembro o nome da personagem dela) com a sua filha Izabel (não me lembro o nome da atriz) e apesar de não entender absolutamente nada sobre artes cênicas arriscaria um palpite arbitrário que as interpretações pareciam bem um duelo de titãs.
O fato é que a Lília Cabral tentava “endireitar” sua filha, só que para isso destilava impiedosas e amargas palavras como se não houvesse outra possibilidade que não fosse a de destituir-lhe a alma.
No ódio estampado nos olhos de Izabel reluzia uma mãe cega. Completamente cega. Incapaz de ver um vestígio sequer da amargura com que ela impregnava o ambiente. Só a filha merecia!
Esta por sua vez, filha de quem era, não deixou barato, mas ainda que tenha respondido à altura, guardava com a tampa do baú escancarada uma única ressalva: era ela a filha.
Faltou um ouvido e ela gritaria pela sua ânsia de ser olhada, mas a mãe estava surda.
Não para a filha. Para o que dela ela não suportava ver inventado na filha...
Seria, de fato, a Izabel tão ruim?

Assim que a cena acabou eu me perguntei
E depois de me perguntar silenciei.
Silenciada pensei.
Sinceramente?

Um peixe fora d'água foi como me enxerguei!

domingo, 7 de março de 2010

Descarrego

Eu odeio fazer o que eu não quero quando o não quero é realmente uma falta de escolha.

Eu odeio quando tenho que desistir por ser esta a única saída plausível
Eu odeio não depender única e exclusivamente de mim.


Eu odeio ter um monte de coisas a dizer e ter que engoli-las, letra por letra
Eu odeio quando as coisas não acontecem do jeito que eu quero
Odeio quando o meu coração dói e sou obrigada esperar dia após dia para que a dor amenize
Eu fico puta da vida quando a vida me desobedece
Se ela é minha deveria cumprir o que eu mando
Odeio o tempo que desacelera e o dia que leva uma eternidade pra passar
Eu odeio sentir as amígdalas doer da raiva que eu não gritei
Odeio rir quando eu quero chorar
Odeio carregar o coração apertado dentro do peito
Eu odeio ter que seguir só quando gostaria de continuar acompanhada!


Eu odeio!!

sábado, 6 de março de 2010

O menino rei

Era uma vez um menino que sonhou em ser valente. E só de sonhar, assim se fez.
Tão valente que era, esqueceu-se de sonhar também com a outra metade da valentia, a fragilidade.
O menino acordou achando que era ele o único herói a precisar de um descanso e assim, sentiu-se menos herói.

Ficou pela metade. E com meio olho somente, o menino não pôde ver...

Não viu que só se é valente por inteiro quando também se é frágil.
Deixou de enxergar que sempre que encontrava com os outros heróis e eles estavam prontos pra batalha, era porque em algum outro momento já haviam deixado repousar em si sua fragilidade.
E por não perceber isso, justamente no momento em que estava com a melhor espada na mão, o menino achou que não era mais tão guerreiro.
Sentiu-se acuado e recolheu-se silenciosamente.
Temia mostrar ao mundo o que o mundo já sabia: todo herói tem o seu dia de menino.
Guardou as espadas numa redoma como recordação do herói que ele pensava não mais poder ser.

De tão humano o herói menino até se esqueceu que humano ele era.

Cresceu uma época  e depois de crescer reinventou-se sonhando em ser rei.
Sonhou um sonho muito bem planejado, mas esqueceu-se apenas de sonhar com o dia em que aprenderia sê-lo.

Sob as mais belas vestimentas, preparadas as pressas por habilidosas costureiras, o menino pensou que estava pronto e se pôs de rei o mais rápido que pôde.
No seu palácio divertiu-se sem pudores.

Acontece que como o menino não sonhara com o dia de aprender, não sabia que apenas meio olho estava a lhe servir. Mais uma vez ele não conseguiu ver.

Escapou-lhe das retinas a delicada condução que a vida lhe fez até esse indispensável passo para a realização do sonho: o dia de aprender a ser rei.

O menino encolheu.

Imediatamente o céu pôs-se a chorar.

Cada gota de chuva que caia impregnava o mundo de um lamento dolorido, pois este carecia de heróis e reis que fossem um pouco mais valentes e para isso só sendo tão inteiros quanto os homens corajosos que o mundo, lamentoso, aguardava quase impacientemente.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Ânsia




Acordei
Trabalhei
Protagonizei
Posicionei

Segui a caminhar
Pé ante pé até chegar

Sentei
Almocei
Levantei

Senti o coração a reclamar
Mão no peito pra amenizar

Entrei
Compartilhei
Movimentei

Parei para o fôlego retomar
E num mar de gente me vi a flutuar

Paguei
Sonhei
Aterrisei

Mais uma noite a estudar
A espreita o amor a resmungar

Encontrei
Voltei
Liguei

Vida em mim não há de faltar
Mas é preciso saber encarar

Retomei
Alimentei
Fechei

Não só o indigesto dá vontade de vomitar
O excesso também me faz o estômago embrulhar!