quarta-feira, 18 de março de 2009

Te digo o que escrevo e me dizes quem sou? Te digo o que leio e me dizes quem és?

Eu já compreendi a minha vida, e em última instância a mim mesma, de várias maneiras e sob diversos aspectos. Já me busquei na história, me procurei na condição de ser humana e me desintegrei para compor um som qualquer com o corpo.
Hoje, exatamente hoje, me achei de um jeito que nunca havia encontrado. Cuidadosamente tecida entre tantas palavras, minhas ou emprestadas, escritas ou faladas, vou me escrevendo de maneira nunca antes experimentada.
Já não posso mais me saber sem escrever. Nem sem ler.
Eu leio muito e de diversas maneiras. Leio o que é comum, mas que ao se mostrar aos meus olhos passa a ser somente meu. Eu leio escritos e implícitos. Palavras e imagens. Expressões e interações. Junções harmoniosas de letras que sozinhas não me permitiriam ler e reler os caminhos, os universos e até mesmo as meras informações. Embora eu não leia nas linhas das mãos toda a vida que ainda está por vir eu também já li com elas.
É na escrita que eu me escapo.
No manejo das palavras nem sempre encontro a precisão delicada que procuro, nas atitudes escrevo com marcas uma Thais completamente vulnerável à leitura alheia. Há um outro, muitos outros... Assim como não há leitura sem escrita eu também não me pareço inteira sem alguém.
Daí eu escrevo e em uma espécie de amarração de fios, de letras, vejo nascer vagarosamente, deitada sobre a folha do papel uma outra que eu desconhecia e diante dela me ponho a ler novamente.
E no recomeço sem fim há uma espécie de “acontescência” de mim. Um encontro indizível e inevitável que se dá no tempo da espera que repousa lenta e devagar. Ou seria a divagar?
"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertar-mos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo".
PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. São Paulo: Companhia das letras, 1999.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Inspiração? Quem sabe...

Estava eu visitando o blog da Carol (sem ciúmes pessoa...) quando de repente me senti invadida por tal provocação... Ou seria inspiração?
Lindo poema de Drummond, inesquecível frase de Manuel de Barros e curioso depoimento sobre Jorge Amado.
O fato é que na escrita da Carol li pedaços da minha própria história.
Eu também morei em Londres. Passei um ano da minha vida sob o céu cinza daquela intrigante cidade.
Não levei livros. Comprei alguns que eram escritos na língua local, que por sinal eu tentava aprender com a mesma persistência necessária para quem aprende a falar pela primeira vez.
Meu repertório, apesar de restrito, foi suficiente para estabelecer como critério irrevogável os temas que me interessavam. “Gostar do assunto e entender um pouco dele já vai dar uma ajuda”, pensei ainda em português.
Levei-os para casa. Não que me aquecessem, mas me ajudavam aplacar um pouco a solidão.
Para me aquecer eu pedia, sempre com urgente necessidade, que minha mãe mandasse pacotes de feijão. O bom e verdadeiro feijão brasileiro que eu cozinhava com o mesmo prazer que me invade quando “como” um bom livro com os olhos.
A solidão não era pouca e daqueles que comprei li todos. Hoje escrevo e leio inglês muito melhor do que falo.
Seria assim a inspiração? Uma espécie de encontro da provocação com a identificação? Algo de fora que encontra uma acomodação justa com algo de dentro?
Quem sabe...

domingo, 15 de março de 2009

"No peito dos sem peito uma seta e a cigana analfabeta lendo a mão de Paulo Freire".
(Chico César)

eu leio assim

CATAR FEIJÃO
João Cabral de Melo Neto

Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo
obstrui a leitura flutuante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.

MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

Proposta: Como você lê?


Ao receber a folha nas mãos rapidamente passei-lhe os olhos. A descida foi em branco, mas na volta fui fisgada pelo nome de João Cabral de Melo Neto.
“Hum, o texto deve ser bom” eu pensei ainda sem ter me dado conta de que mobilizar meus conhecimentos prévios ou até mesmo os pré conceitos sobre o assunto em questão talvez seja um dos primeiros passos de minha leitura.
Prossegui. Mas não em frente. Fiz uma espécie de resgate ao retornar ao título. Embora respeite a ordem natural de um texto quando o leio, muitas vezes eu também passeio por ele. É uma espécie de sobrevôo. O todo e as partes ao mesmo tempo.
Retomei a concentração e me pus a obedecer a tal ordem natural: de cima para baixo, da esquerda para a direita.
Não me preocupei com o entendimento. Aliás, não costumo me ocupar de entender totalmente o que leio em uma primeira leitura. Eu deixo o texto passear em mim. Todos entram pelos olhos, poucos chegam ao coração. Alguns param no estômago e outros se finalizam na razão.
Não sei o que é alguidar eu pensei em algum momento com a esperança de que mais adiante o todo explicasse as partes.
Ao me deparar com o ponto final que encerrava ali as palavras do autor me pus a ler novamente, mas desta vez algo novo brotava em mim.
As imagens foram ganhando contornos mais precisos. Eu continuava sem saber o que alguidar significava, mas já podia compreender seu sentido. Li o texto e me vi secretamente com os feijões nas mãos, da mesma maneira que agora tentava segurar as palavras nas ideias.
Imaginei. E pensando na imaginação entendi a leitura como ação, como algo ativo e vivo. O texto ganhou enfim a merecida vida que lhe cabia.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Escrevendo...


Eu tenho muitos livros...
Neles estão marcadas pra sempre, ou pelo menos até que o papel onde elas se deitam se decomponha, datas importantes como os meus primeiros passos e as minhas preferências por dançar e comer requeijão. Constam neles minhas primeiras palavras faladas, mas não as primeiras palavras que por mim foram escritas.
O acontecimento escapou dos registros escritos que, pelas delicadas mãos de minha mãe e pelo atencioso olhar do meu pai contaram os primeiros capítulos da minha história.
E eu sequer consigo recordar-me aproximadamente quando foi que os li pela primeira vez...
O fato é que os li e prossigo agora escrevendo de próprio punho os capítulos seguintes.
Eu sempre escrevi muito e por diversos motivos. Aprecio o movimento das mãos ao desenhar as letras, mas também esqueço tal capricho quando o que é escrito se joga sobre o papel quase sem a minha permissão. Escrevo para guardar e para compartilhar; para comunicar ou compreender; para refletir e em uma espécie de espelho de papel o meu próprio reflexo enxergar.
A imagem é diferente. Não vem composta de formas bem definidas, mas é humanamente decifrável tal e qual seria um rosto qualquer. Eu me encontro na minha escrita e é através dela que também me desconstruo pra me transformar. Há um movimento constante, algo vivo que faz as letras deixarem de ser apenas letras e serem as minhas letras. Palavras que de tão comuns às vezes se perdem. Já perdi as palavras muitas vezes. Em outros momentos as reencontrei como se nunca as tivesse visto. Algumas eu procuro até hoje e em momentos raros chego a pensar que não existem.
Eu já escrevi sonhos porque os queria mais reais e já escrevi realidades que quando relidas não passavam de sonhos.
Chorei e ri em cima de uma folha de papel. Eu amei e briguei. Lembrei de algo que poderia ter sido esquecido não fosse o fato de estar escrito. Já me emocionei e pulei ao ler palavras que me fizeram bater mais forte o coração.
É assim que eu escrevo. Do mesmo jeito que danço ou como requeijão. Com o corpo inteiro.